The Project Gutenberg EBook of Juizo Verdadeiro sobre a carta contra os Medicos, Cirurgioens e Boticarios, by Bento Morganti This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.net Title: Juizo Verdadeiro sobre a carta contra os Medicos, Cirurgioens e Boticarios Author: Bento Morganti Release Date: December 11, 2010 [EBook #34625] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK JUIZO VERDADEIRO SOBRE *** Produced by Mike Silva JUIZO VERDADEIRO SOBRE A CARTA CONTRA OS MEDICOS, CIRURGIOENS, E BOTICARIOS _Ha pouco impresa com o titulo de Sustos da Vida nos Perigos da Cura._ EXPOSTO EM HUMA CARTA DE HUM AMIGO A OUTRO, que sobre ella lhe pedio o parecer. LISBOA Na Officina de JOSEPH FILIPPE. Anno de M.DCC.LVIII _Com as licenças necessarias._ JUIZO VERDADEIRO SOBRE A CARTA CONTRA OS MEDICOS, CIRURGIOENS, E BOTICARIOS Meu amigo, e Senhor, satisfazendo á sua recomendaçaõ de lhe enviar os papeis coriosos, que sahirem nesta Cidade mais bem compostos, e recebidos; remetto a v. m. esse que a semana passada se publicou com o titulo de Sustos da Vida nos Perigos da Cura, taõ agradavel aos curiosos, como aos medicos odiozo. E ainda que sei, que v. m. naõ he muito inclinado a obras satyricas, com tudo me parece, lhe naõ desagradará, pelo que tem de discreta. Eu desejara que v. m. agora se achasse nesta Cidade para ouvir os pregoens dos cegos; pois naõ contentes com o primeiro titulo, para dar mais clara noticia da obra, apregoaõ; Carta contra os Medicos, Cirurgioens, e Boticarios (verdade he, que naõ lhe levantaõ nenhum testemunho) e por fazer pirraça aos mesmos servindose dos olhos dos moços, pois elles naõ pódem ser testemunhas de vista, ás portas de Boticarios, e na passagem dos Medicos, e Cirurgioens levantàõ com mais forte, e duplicada vós o pregaõ da sua fazenda, alguns sugeitos tenho ouvido louvar muito este papel de discreto, e util á republica, para que se desenganem com estes homicidas disfarçados. Eu porèm com juizo indiferente, espero pelo seu parecer, para que instruindo-me como costuma, eu possa julgar com acerto. Deos guarde a v. m. &c. RESPOSTA. Meu amigo, recebi a sua carta sempre estimavel, como sua e juntamente a obra, que me remette, e lhe recomendo agora me mande todos os papeis, que nesta Cidade se publicarem, porque quando nem todos sirvaõ para instruçaõ, seraõ ao menos para divertimento do animo, e antidoto da ociozidade. He já antigo em V. m. querer ouvir o meu parecer nestas materias literarias, em que eu naõ tenho voto, julgando que o excederei no bom gosto, quanto o excedo nos annos. Engana-se V. m. pois na sua pouca idade tem aprendido mais estudo, do que eu vivendo. Se comtudo dezeja ouvir-me lhe digo: que faço muito diverso conceito desta obra, do que esses curiosos fazem. Eu confeço, que quando acabei de a ler me lembrou _o novo cazo da consciencia_, excogitado pela jocosa agudeza do Doutissimo P. Feyjó: pelo qual ficaõ obrigados restituir aos compradores o dinheiro aquelles escriptores, que com titulos especiozos atrahem os curiozos á compra das obras inuteis. Nesta obrigaçaõ julguei eu incurso ao autor da carta pois quem haverá, que ouvindo o pompozo titulo de Surtos da Vida nos Perigos da cura, naõ espere alguma obra erudíta, e composiçaõ discreta? Pois gaste o seu dinheiro, compre, e leia; e nada mais achará, que huma carta extensissima, ou satyra prolongada, com alguns contos de velhas, que por vulgares já naõ recreaõ ao leitor: tudo afim de injuriar os nobres professores da medicina. Por isso os cégos, vendo isto, trocáraõ o titulo proposto no frontespicio em o da _Carta contra os Medicos, Cirurgioens, e Boticarios_. E se me consultassem, ainda eu lhe ensinaria outro pregaõ mais proprio, e mais bonito. Ora já que falamos nisto; eu entendo, que naõ he precizo ver a obra mas basta ouvir os cegos, para formar della o devido conceito. Tantas legoas distante me parece, que me está horrorizando os ouvidos o escandaloso ecco deste pregaõ. E que homem de juizo haverá, a quem naõ escandalize esta voz pelas ruas publicas. No capitulo 38 de Ecclesiastico nos manda Deos honrar muito aos Medicos, dizendo; que a mesma ciencia, que professaõ, os havia de exaltar, e fazer recomendaveis na presença dos grandes. A ley os enobrece, Deos os recomenda, e quem diséra, que se haviaõ de ver publicamente offendidos, e pela gente vulgar com vozes ultrajados! Tudo he effeito de huma paixaõ cega. Nem diga algum ignorante apaixonado, que esta satyra só se dirigia a os Medicos imperítos, pois naõ deve a sua imperiencia ser cauza de huma descomposiçaõ publica; a nimguem se deve afrontar: e desta irrisaõ universal toma o povo occasiaõ para escarnecer confusamente de todos pois nem sabe, nem he posivel distinguir o bom do máo. Porventura será motivo bastante haver alguns máos Theologos, Filosofos, ou Juristas para que se publique huma invectiva contra os Juristas, Theologos, e Filosofos; com que sejaõ objecto da illuzaõ do vulgo ignorante, e fabula do povo, que por ter lido alguns erros dos professores destas ciencias, pois ninguem delles se izenta (só se for o A. da carta) levante, que todos saõ huns nescios, que nada sabem, que naõ ha, que fiar nos seus pareceres? Quem tal disera? Por isso eu digo, que esta obra, e seu pregaõ só hade ser agradavel ao vulgo nescio, mas odioza aos homens de juizo. E entendo, que os offendidos, ainda que sentidos, e envergonhados, desprezaraõ nos gritos dos cegos os clamores do A. da carta como nos reprezenta Alciato a Lua continuando a sua carreira, e desprezando os latidos daquelle caõ importuno: que só o desprezo he o castigo de similhantes atrevimentos. Porém, se só por fóra he taõ escadalozo este papel, por dentro ainda he muito mais, a quem com attençaõ o ler (se acazo alguem o pode ler com attençaõ) pela impaciencia, que causa, naõ só a futilidade das suas razoens, e liberdade da invectiva; mas tambem a prolixidade da sua locuçaõ. Eu certamente acho muito admiravel o engenho, com que encheo o seu A. mais de 2. folhas de papel, sem dizer huma razaõ cabal, e convincente ao seu proposito. Louve muito embóra Seneca por arteficio grande incluir o muito em pouco, seja arteficioso engenho rezumir em breves periodos copiosas expreçoens; que eu naõ sei, se he mais encher o dilatado espaço de 17 paginas sem alguma experçaõ judicioza: pois ainda que ali se acham muitas couzas notaveis, todos saõ de má nota. Leia V. m. na primeira pagina, e logo achara falando da Medicina estas palavras Consegueriamos huma melhor utilidade sem o suffragio deste chamado bem, do que com a entruducçaõ deste ingano! Pondere bem o seu discurso estas palavras, e verá que daqui se colhe, que na opiniao do A. da carta: a Medicia naõ deve ser chamada bem, antes mal; que, he inutil, antes pernicioza no mundo que; que melhor se passaria sem ella, e que foi hum engano, que se introduzio na terra, e conseguintemente nos enganou, quem a introduzio. Elle bem claro o diz. Ora leia agora o cap. já alegado do Eccles. e achará hum panegyrico da Medicina, e huma recomendaçaõ dos seus professores. Mas aqui ficara abismado, quem depois de ver que o A. chama introduçaõ de hum engano a Medicina achaõ que o seu introductor foi Deos, em quem a Fé ensina naõ pode haver engano. Na opiniaõ dos Hebreos o primeiro que exercitou esta ciencia, foi o Anjo S. Rafael, quando ensinou a Tobias, que extrahise a o peixe o coraçaõ, fel e figado para composiçaõ do remedio: mostrando-nos assim o mesmo Deos quanto tem de divina esta ciencia; pois do Ceo mandou quem a exercitasse. Naõ aparte V. m. a memoria das palavras deste A. disfarçado, nem os olhos da Scriptura; e verá como se oppoêm a este cap. Nelle nos manda Deos honrar ao Medico, e acrescenta que delle temos necessidade que se naõ aparte de nós o Medico; porque as suas operaçoens saõ neçessarias; que Deos o introduzio, que lhe demos nós logar; que o Altissimo creou os medicamentos, e delle se derivou, e nasceo a Medicina, e que o varaõ prudente, e homem de juizo a naõ hade aborrecer. Daqui vem a resposta para o que diz o A. que o mundo tem concebido hum odio entranhavel, e desprezo universal a esta arte: pois só podera concebello algum louco. Elle he que quer persuadir a todos, que o concebaõ; pois lhe quer introduzir, que he huma arte enganosa, hum louvavel engano, que melhor utilidade se consegueria sem o suffragio deste chamado bem; que será mil vezes melhor viver com alguma queixa, do que entregarse ao Medico, para que o cure; que será muito melhor viver com o discomodo de huma saude arruinada, e outras couzas deste genero, que tudo saõ palavras suas. Mas só algum rude, material se hade capacitar destas razoens ditas, e naõ provadas; porque naõ repara, que o mesmo A. se está contradizendo a si. Em huma parte diz, que a Medicina he necessaria; em outra naõ só diz, que he escuzada, mas nociva: em huma parte attribue a Medicina os enganos; em outra affirma que tem preceitos certos. Eu supponho, que elle cuida que enganaremse algumas vezes os Medicos he o mesmo, que ser a Medicina enganosa: pois isso sabe qualquer menino, que principia a estudar logica, que os erros dos professores naõ tiraõ a infalibilidade de qualquer ciencia. Mas naõ falemos em encoherencias; que disso está a carta chea. Até reprova a experiencia, que se tira do exercicio de curar sem advertir, que a ella deve a Medicina a maior parte dos seos progressos. Bem o veremos, se olharmos para os seos principios. Costumavaõ os homens nos antigos seculos, quando saravaõ de alguma enfermidade escrever os remedios; com que se curaraõ; cuja noticia se guardava nos tempolos. Expunhaõ-se no Egypto, e Babylonia, e em outras naçoens os enfermos nas praças publicas; e os passageiros, se algum remedio sabiaõ, lho ensinavaõ: e se com elle sarava, se punha por escripto no templo guardado, como em archivo. Destas memorias se aproveitou Hipocrates, natural da ilha Coo, que foi o primeiro, que coordinou os perceitos da Medecina, extrahindo do templo de Diana muitos destes escriptos, de que se utilizou, e juntando com a experimental a especulativa fez admiraveis curas, que lhe immortalizaraõ o nome. A experiencia, e observaçaõ ainda dos animaes, ensinou aos homens cousas utilissimas. Assim aprenderaõ dos leoens a virtude da quina, da Andorinha a da celidonia, do Hippotanco a sangria, o cristal da ave Ibis, e outros muitos remedios de suma utilidade. A experiencia, dizem os Filosofos, gerou a arte; e Cornelio Celso affirma, que a Medicina empirica se deve juntar com a racional. Ja me esquecia dar a razaõ, porque asima eu dice, que este escriptor mascarado nada convencia com as suas razoens. Muitos se haviaõ de admirar, se tal me ouvisem; quando vem tantas paginas escriptas, tantos cazos, e tantas noticias para este fim amontoadas. Pois na minha opiniaõ isso he a couza mais estravagante, que se pode dar. Ninguem nega, que haja hum, ou outro Medico indigno que hum, ou outro errasse a cura ao doente, como elle prova com os seos contos de algebeira; porém tambem se tem feito curas taõ admiraveis, que parecem exceder a força do discurso humano. Mas essas, ou se ignoraõ pelo A. ou por malevolencia se occultaõ. Elle quer, que o Medico seja pura intelligencia, que nunca erre: isso naõ pode ser; porque quando a enfermidade he mortal, ha de enganarse o Medico, ou naõ hade aproveitar a cura: elle mesmo o concede, sempre houve, e hade haver molestias incuraveis; já dice Ouvidio, que nem sempre estava na maõ do Medico o remedio do enfermo; que muitas vezes vence o poder da doença as forças da arte: mas he certo, que se todos morrem por ley insespensavel da mortalidade, muitos conservaõ a vida, e restauraõ a saude por beneficio especial da Medicina. Frustraõ-se necessariamente as diligencias, nas doenças incuraveis e se erraõ muitas vezes os Medicos nas curaveis, ou indifferentes, nem sempre he facil o acerto em huma materia taõ incerta, e taõ escura. Por isso a antiguidade nos reprezentou a Medicina em figura de mulher idoza com hum bordaõ nodoso em a maõ? significando na ancianidade a experiencia, que para ella se necessita, e no bordaõ nodoso a difficuldade, que nella se experimenta. Assim que naõ se deve confusamente fazer huma indiscreta illuzaõ, e univeral zombaria dos Medicos; porque hum, ou outro errou porem a malevolencia do A. naõ quer mais, que criminallos, e descompollos, seja como for. Naõ póde chegar a mais o seu odio, do que a fazer-lhes calumnias, e crimes de huma galantaria, que disse hum sugeito. Fallo naquelle conto, que traz a paginas 15. de hum homem, a quem elle chama discreto, que attribuio a morte repentina de hum amigo a ter visto em sonhos hum Medico mao, que havia no seu tempo. Isto, que se naõ foi materialidade, foi graça daquelle sugeito, toma elle com verdade, e antecedente certo, para o seu argumento: e passa a dizer, e a exclamar, que foraõ na realidade, quando só a imagem na fantazia produzio hum hum tal effeito, se hum só visto em sonhos matou hum homem! Está muito bom argumento mas se lhe negarem o supposto, logo ficará calado. Para vomitar contra os Medicos o veneno da sua malevolencia, até comessa a sua jocosidade indiscreta a illudilos por andarem a cavallo: e como os faz inimigos mortaes do genero humano, diz, que andaõ assim, como mais expeditos para o exercicio da mortandade, porque sempre a cavalaria fez mais estrago, que a infantaria (veja como saõ insulsas estas graças) e lá vai a sua erudiçaõ exquesita achar para prova hum texto de S. Joaõ, que vio a morte a cavallo. Está bem trazido! Gasta mais de huma pagina em ponderar, como condemnaõ á morte os Juizes, e os Medicos; pois aquelles o fazem com multiplicidade de votos, elles só pela sua sentença. Bella comparaçaõ? de sorte que o Juiz da pozitivamente a morte em justa pena do delito; o Medico quer intencionalmente dar a vida; mas ou porque errou, ou Deos assim o quiz, morreo o doente: logo (infere o A.) condemnou o Medico a morte ao enfermo, assim como o Juiz ao deliquente; só com a differença, que o Juiz com o voto de muitos, o Medico pela sua vontade. Notal filosofia, bem tirada conclusaõ! Mas he muito para rir hum idea, que elle confessa ser tirada das suas experiencias, e logo se vê que he sua. Aconselha as Potencias belligerantes (he palavrinha sua) que introduzaõ nos exercitos oppostos hum pequeno pelotaõ de Medicos; porque elle sem duvida fariaõ em 8. dias mais destrosso, do que o exercito podia experimentar em 6. mezes de campanha. A invençaõ está exquezita. Assim ficavaõ as guerras mais suaves, e naõ experimentariaõ nellas os reinos taõ funestos, e irreparaveis estragos. Escusavaõ os miseraveis soldados de expor o peito á bala, e dezemparar as familias, perderem-se as cazas, devassarem-se as cidades, profanarem-se os templos, estragarem-se as riquezas, e poderes, e sucederem todas aquellas calamidades, que causa o furor de huma sanguinolenta guerra. Em boa paz se fazia tudo: hiaõ os Medicos, Cirurgioens, e Boticarios matando descançadamente de seu vagar, ou para melhor dizer, muito depressa, porque faziaõ em 8 dias, o que os exercitos em 6 mezes, e em breve tempo se declarava feliz, e suavemente a victoria. A muito chega o discurço humano! E ainda se naõ tinha dado nisto! Eu era de parecer, que esta carta se mandasse a essas naçoens, que actualmente andaõ belligerando (deixeme aproveitar desta palavra do A.) aver se sortia bom effeito a idéa. Mas era percizo, que o enigmatico Jozé Acursio desse tambem o modo, com que se havia fazer que a doecesse o exercito opposto; porque estando todos sãos, pareceme que naõ pode ter effeito; pois quando muito só se lhe podia dar a morte nos remedios, que se lhe receitassem para a saude. Deve tambem declarar, se he da essencia, que os ferros dos Cirurgioens sejaõ ferrugentos pois elles diz assim: Os Cirurgioens armados com os seos estojos, e patronas com 4 lancetas, e huns poucos de ferros ferrugentos. Eu nunca vi que os Cirurgiões troxesem os ferros ferros ferrugentos antes bem limpos, e amolados: e assim, se isso he condiçaõ necessaria, declare-o; naõ se frustre a idea por falta desse requezito. O certo he que a paixaõ cega aos homens; e naõ he muito que fallem delirios quando falaõ apaixonados. Assim naõ me admiro, que elle homem, que sempre venero douto, querendo illudir jocoseriamente aos Medicos cahise em tantas inepcias, e jocosidades insipidas, quando se está vendo a sua malevolencia, e odio e odio; pois até os calumnias de ganharem, com que se sustentem; admirandose, de que o tempo se converta para elles em dinheiro. Bem disse eu, que a paixaõ cega aos homens; pois naõ ve este discreto, que isso naõ he só para os Medicos. Todos trabalhaõ pela vida; todos cuidaõ em ganhar o necessario, e ainda o superfluo, e para todos se converte o tempo em dinheiro, quando recebem o lucro do seu trabalho. Diga-o elle mesmo confesse para que compôz aquella carta, e a mandou imprimir? Para ganhar dinheiro: em dinheiro se lhe converteo o tempo, em que a trabalhou. Eu naõ sey, que lhe fizeraõ os Medicos, Cirurgioens, e Boticarios; pois publica contra elles taõ cruel guerra. Só louva aquelle, que curou hum homem ás palmatoadas: eu naõ sei, que graça elle achou na cura. Ella certamente dá vontade de rir, e elle mesmo o confessa. Palmatoadas he remedio, que se naõ acha na botica. Verdade he que se applica nas escolas, e estudos aos rapazes, e faz bom effeito; mas he medicina para a preguiça: para outros doenças naõ me consta. As palmatoadas inventaraõ-se para castigo eu naõ sey que adoecer seja crime. Mas repare V. m. na habilidade, que aquelle Cirurgiaõ tinha para guarda do Collegio, e certamente que era mais bem empregado nesta occupaçaõ, e ficaria aperder de vista Manoel Mendes, naõ obstante ser taõ insigne official de palmatoadas, de que escaparaõ os pobres estudantes, quando as groseiras mãos de hum alfayate suaraõ imposibilitadas de trabalhar ainda depois de saõ. O A. naõ se farta de lhe louvar o bom raciocinio, e bom discurso; mas eu ainda lhe acho hum defeito, que vem a ser naõ lhe dar açoutes em lugar de palmatoadas; pois escusava de lhe cauzar o prejuizo de perder ao outro dia o seu jornal, e talvez fizessem melhor effeito; pois haviaõ mais facilmente puxar o mal abaixo. Julgo que o A. tomara para si elle Cirurgiaõ; ainda que isto, como he mezinha cazeira, naõ necessita, que lha venhaõ applicar de fóra. Quem lhe agradar encomende aos seos domesticos, que quando lhe vier alguma doença, lhe descarreguem humas poucas de palmatoadas, ou açoutes (cada hum do que mais gostar) e em quanto naõ sarar, lhe vaõ dando rijo, a ver se fazem fugir o mal ás pancadas. E para que naõ pareça que faço zombaria do remedio, eu quero tambem contar o meu cazo a imitaçaõ do A. da carta. Certo rapaz se fazia maliciozamente cocho, e tendo noticia o mestre do fingimento lhe dava meya duzia de palmatoadas: sarou repentinamente o rapaz, e começou a andar muito direito. Logo com estas duas experiencias, se confirma a bondade do dito remedio. A fallar a verdade, meu amigo, eu naõ me persuado, que este escriptor dissese em seu serio, e porque assim o entendese, todas as couzas, que neste papel escreve: com tudo naõ deixa de me cauzar escrupulo, e horror o que pertende persuadir ao povo; pois toda esta carta he dirigida a meter lhe sustos, para que naõ se curem com os Medicos, nem Cirurgioens. Assim o diz o titulo: _Sustos da vida nos Perigos da cura_; e todo o seu empenho he intoduzir nas gentes hum medo, pavor, e susto dos mesmos Medicos. Elle entra a exclamar, quem se hade metter sem sustos nas mãos de hum Medico? Quem naõ terá sustos de ver a sua cabeceira hum homem, de quem depende á sua vida. Quem deixará de estar a cada hora esperando que lhe cortem os fios da vida? Elle faz a Medecina chea de enganos diz que he hum engano introduzido, que se naõ deve chamar bem, que melhor utilidade se consegueria sem ella. Elle diz que será mil vezes melhor na prezença de alguma queixa viver antes com ella, do que entregar-se nas mãos de qualquer Medico; que he muito melhor viver sujeito ao discommodo de huma saude arruinada; do que pertenderse curar-se; que o estudo destes professores só he pelos vivos, a quem tiraõ a vida, enganando o povo nescio com alguns afforismos, que de memoria repetem. Elle quer introduzir ao vulgo, que os Medicos saõ coadjutores da morte, que o seu officio he matar; que sentenceaõ aos homens camerariamente á morte; que saõ hum contagio, cujo damno se pode experimentar nos lugares mais sadios; que he milagre estarmos vivos entre elles; que só vistos em sonhos mataõ; que fazem mais estragos em 8 dias, do que hum exercito armado em 6 mezes, andando para isso a cavallo para assim mais expeditos despojarem das vidas aos homens: e outras couzas similhantes; sendo todas estas tiradas fielmente da sua carta, quasi pelas mesmas palavras. Finalmente elle persuade ao leitor, que as juntas saõ superfluas, e os chamar Medicos se reserve só para a ultima enfermidade, e ainda isso para morrer a moda, ou que só o faça quem se enfastiar de viver, e quizer matarse por modo, que fica salva a sua consciencia. Neste passo naõ posso deixar de me impacientar, nem haverá coraçaõ catolico, e pio, que que se naõ escandalize com propoziçoens taõ absurdas. Matar-se por modo que fique salva, a consciencia! Ha quem tal diga! Isto naõ pode ser; repugna direitamente aos dogmas da Religiaõ Catholica. A morte propria naõ he, nem pode ser licita: e o vulgo ignorante, vendo isto, pode persuadir-se que sim, quem chamar hum Medico com tençaõ de que elle o mate, ainda que se naõ sigua a morte, pecca mortalmente. Eu sertamente tenho hum grande receio, de que este papel enchendo de prejudiciaes preoccupaçoens o povo, cause fataes, e irreparaveis damnos a muitos dos seos leitores. Quantos se privaraõ de algum bom arbitrio, que se houvesse de dar na junta, que sobre a sua enfermidade se convocasse; sendo serto que muitas vezes se discorrem nestas conferencias operaçoens de admiraveis effeitos, que naõ occuriaõ ao Medico assistente. Quantos se deixaraõ morrer á falta de remedidos? quando lhe tira o A. o escrupulo do peccado; se ainda entendendo todos estarmos obrigados a tratar da saude, deixavaõ por negligencia fazer as doenças incuraveis, acudindo-lhe quando ja naõ tinhaõ remedio. (E ao depois se attribuia ao Medico a culpa, que só tinha o doente) Quantos haverá, que se atégora por desencarregar a consciencia chamavaõ os Medicos bem a pezar da sua avareza, agora vendo que he gasto superfluo morreraõ mizeravelmente? Quantos lendo no A. que isto só se faz por moda, naõ fazendo cazo de modas, guardaraõ o dinheiro para os gastos precizos, e abreviaraõ, desgraçadamente as vidas? Quantos finalmente cheos de sustos, receios, temores, e medo dos Medicos, e suas curas, deixando multiplicar, e inveterar as queixas viveraõ com huma saude arruinada, e acabaraõ infilizmente com huma morte imtempestiva? He fatal disgraça, que o odio particular, seja taõ pernicioso ao bem publico! Eu, meu amigo, lhe peço naõ só pela nossa amizada, mas pelo zelo, e amor de Deos, e do Proximo, que em seu peito se anima, empenhe agora toda a sua efficacia, em dissuadir destas noticias preocupaçoens a este miseravel povo ensinando-lhe; que temos como catholicos, rigoroza obrigaçaõ de conservar a vida, uzar dos remedios, e do conselho dos Medicos, e de lhe obedecer nas couzas uteis para a saude persuadindo-o evidentemente contra a opiniaõ destes curiosos das duzias, que este papel he todo cheio de mentiras, embustes, futilidades, e incoherencias. Tenho exposto a V. m. o meu voto; e naõ sey, se com molestia sua pela extençaõ de que uzei; porèm os velhos difficultosamente se izentaõ da prolixidade, e ainda eu deixei muitas couzas censuraveis. Mais extensa fora esta minha, se eu introduzira huns poucos de textos bem, ou mal trazidos, como faz o nosso Acursio. Porèm eu estou já muito esquecido destes latinorios; deixemos isto a sua vastidaõ, a quem nem escapou o exquezito: _Hoc opus hic labor est._ Com tudo por naõ deixar tambem de dizer minha palavrinha latina, que sempre faz muita secia, direi ao menos a da despedida, e assim me despeço em latim. Vale. _Amicos ex corde._ F I M End of the Project Gutenberg EBook of Juizo Verdadeiro sobre a carta contra os Medicos, Cirurgioens e Boticarios, by Bento Morganti *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK JUIZO VERDADEIRO SOBRE *** ***** This file should be named 34625-8.txt or 34625-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/3/4/6/2/34625/ Produced by Mike Silva Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.net This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.